domingo, 20 de abril de 2014

VILMA FRACCAROLI, UMA ESTRELA DE BRILHO EFÊMERO NA ÓPERA PAULISTANA

                       Em 1994, por força de minha profissão, fui chamado a uma residência de Curitiba para ver uns discos e livros e onde conversei longamente com uma senhora adorável. Falamos de música, ela notou meu interesse pela arte de Euterpe e pela memória e, com andar decidido, foi até o quarto mais no interior da casa e voltou com uma pasta contendo o que ela tinha possivelmente de mais precioso.  Era o relicário de sua vida como artista, nos distantes anos quarenta e cinquenta, um período em que, muito jovem,  vira as luzes da ribalta, o sucesso lhe sorrir, as palmas das platéias de teatros de ópera e auditorios das rádios de então.Ela provara o gosto do sucesso que tantos procuram e não encontram.
                      Naquela época era comum os grandes cantores incluírem o Brasil nas suas turnês pela América do Sul, normalmente passando pelos Teatros Municipais de São Paulo e Rio para terminar no Colón de Buenos Aires. Curitiba às vezes fazia parte do roteiro desses artistas da ópera e da opereta, que faziam aquele gênero misto entre o popular e o clássico e que também incursionavam pelo cinema. Assim tivemos em nossos teatros Tito Schippa, Gigli, Jan Kiepura, Martha Eggert, entre muitos. Mas isso não vem ao caso.  Em 1950, o legendário barítono Gino Bechi apresentou-se em São Paulo e - pasmem - a nossa humilde e tranquila anfitriã daquela tarde fora a escolhida para cantar com ele em diversas casas de ópera da paulicéia, como mostrava a copiosa documentação que fui folheando com olhos admirados. Isso não era pouca coisa, ela devia ter sido muito talentosa, tido uma bela voz. Os discos em acetato,três originais únicos, com quatro músicas em seis lados que mostravam a arte da Vilma Fraccaroli na sua mocidade foram a cereja do bolo naquela tarde de descoberta. Ela havia cantado na Radio Excelsior com o famoso barítono e registraram sua voz nos acetatos, o que foi uma verdadeira fortuna, porque não existissem, nunca poderíamos saber das cores sensíveis e das coloraturas de que sua voz privilegiada e bela era capaz. Curitiba tem muita gente com histórias interessantes escondida em suas ruas, eu acabara de encontrar mais uma delas.

A HISTÓRIA

Vilma Fraccaroli em foto artística para divulgação, 1951

APRESENTAÇÃO DE VILMA EM SANTOS

APRESENTAÇÃO NA RADIO GAZETA EM 1946



APRESENTAÇÃO NA RADIO GAZETA, 05.6.1946

CONVITE DE FORMATURA DO CONSERVATÓRIO DRAMÁTICO E MUSICAL DE SÃO PAULO - 1950

OS FORMANDOS



OS DISCOS GRAVADOS POR VILMA FRACCAROLI eram de acetato, em 78 rotações.  As rádios possuíam máquinas elétricas que gravavam discos, que eram feitos de alumínio, com uma finíssima camada de um material plástico. Não devemos confundir com  os discos 78 rpm convencionais, feitos de outro material, o shellac (em inglês), ou seja, uma espécie de goma-laca, mas que no Brasil se convencionou chamar de "discos de cera", de "carvão" e até erradamente de vinil, se bem que na última fase dos discos em 78 rpm, nos anos 60, se chegou a fabricar excelentes discos de vinil nessa velocidade. Mas os nossos discos são de acetato, um fina camada plástica em cima de um disco de alumínio. Como todos os discos do gênero,  são únicos, não são gravados em série, só existindo aquele exemplar, registrado no momento da gravação, normalmente um concerto, um show, um depoimento, uma festa, uma visita de um artista importante à rádio. Por isso quando encontramos um acetato devemos já saber que é um exemplar solitário, dele não existindo cópia. O grande problema dos acetatos é que o material que recobre o alumínio com o tempo vai rachando, ficando impraticável tocá-los e assim os discos se perdem. Então a salvação do material sonoro neles contido é premente, deve-se registrá-lo logo em outra mídia, outro suporte, para salvar logo o registro, que é o que importa,  antes  que se perca em definitivo.  Acontece mais ou menos a mesma coisa com os antigos filmes mudos, que se avinagram, se estragam !  Vejam que os três discos registrados por Vilma Fraccaroli já estão sofrendo deterioração, observem os descascados que já começam a aparecer, mostrando o alumínio do disco de metal sob o frágil acetato.   Duro é o trabalho dos cuidadores da memória !

   

O PRIMEIRO DOS ACETATOS REGISTRADOS NA RÁDIO EXCELSIOR, COM  A CANÇÃO DA SAUDADE, DE  ALBERTO COSTA  ORQUESTRA SOB A REGÊNCIA DE SPARTACO ROSSI, junho de 1950



O DIPLOMA DA SOCIEDADE AMIGOS DA ÓPERA





        

A APRESENTAÇÃO PARA A SOCIEDADE ARTISTAS UNIDOS



OS CONCERTOS COM GINO BECHI EM JUNHO DE 1950 




VILMA FRACCAROLI E GINO BECHI





O SEGUNDO REGISTRO EM ACETATO, UNA VOCE POCO FA, DE ROSSINI - orquestra sob a regência de Spartaco Rossi, junho de 1950.




O SCRIPT PARA A APRESENTAÇÃO DO PROGRAMA NA RÁDIO EXCELSIOR, COM A DEDICATÓRIA DE MARIO DONATO, SEU DIRETOR - 22.6.1950








O TERCEIRO REGISTRO EM ACETATO, SAPER VORRESTE, DE VERDI 


APRESENTAÇÃO EM RIBEIRÃO PRETO





O BOLETIM DA RÁDIO EXCELSIOR FALANDO DE VILMA




O QUARTO E ÚLTIMO REGISTRO, UMA LINDA BERCEUSE,"NINA NANA"





O DIÁRIO DE NOTÍCIAS DE RIBEIRÃO PRETO DE 01-6.1951

VILMA RECEBE O DIPLOMA DE PIANISTA NO ANO DE 1953





VILMA VAI À EUROPA PARA APERFEIÇOAR A ARTE DO CANTO






              E assim termino com uma interrogação: o que aconteceu para que Vilma interrompesse sua trajetória luminosa ?  Assim como ela não me falou, acredito que nunca saberei  Terá sido o casamento, final com que muitas carreiras de cantoras termina ?  Algum professor ou professora tirana ter-lhe-á podado a vocação, a vontade de cantar lá na Itália - sabendo que na história de muitos cantores esses seres miseráveis existem...    Ou teria perdido sua voz, calando-se para sempre o nosso rouxinol ?  Nunca mais tive contato com Vilma Fraccaroli, apesar de ter pesquisado muito na internet.  Não sei se ainda vive ou se tem descendência.  Acho que seus filhos, se os teve,  ficariam muito felizes com esta postagem. Que a sorte os faça encontrar-nos por aqui, gostaria de conhecê-los.

Paulo José da Costa




Paulo José da Costa
compra e recebe doações de acervos de postais e fotos antigas, inclusive álbuns de família
para arquivo particular
Proteja a memória, ensine as crianças a amar as fotografias. 
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terça-feira, 8 de abril de 2014

A EXPEDIÇÃO DE ANDREAS MAYER E EUGÊNIO KWASINSKI AO RIO IVAI (1951)

                    Eugênio Hauer Kwasinski, filho de Wladimir (Valdomiro) Kwasinski e Emma Hauer, tinha uma loja de automóveis em Curitiba nos anos 40 e 50 do século passado. Aventureiro, saía pelo mundo fotografando e filmando suas experiências. A providência permitiu que boa parte das fotos e filmes do Eugênio viesse parar em minhas mãos, por intermédio de pessoa da família interessada no salvamento do acervo, já que estava em um sótão exposto às intempéries. São 25 rolos de filmes em 8 e 16 mm, dos anos 1939 a 1954,   cada um contendo em torno de 14 minutos  - boa parte deles coloridos, possivelmente únicos, em se tratando de filmes amadores brasileiros dos anos 40 e 50. Tenho colocado esse material no youtube (vejam lá em "Paulo José da Costa") para que se perpetue, mas ele merece um projeto de algo melhor um dia, quem sabe a digitalização quadro a quadro e o lançamento de um ou dois dvds com o melhor desse material. Mas hoje vamos apresentar uma das viagens do Eugênio, com três amigos, feita em dezembro de 1951.    Ele fotografou e filmou a viagem. Infelizmente remanesce apenas um trecho da viagem em filme, a subida do rio Ivaí em dois botes a motor. Vai de Thereza Cristina até o Salto Ubá,   O comecinho do filme está muito ruim, mas ele melhora rapidamente e ganha as cores. No final, o encontro com índios aculturados, se é que se pode dizer isso, a família do Cacique Bastião, vivendo miseravelmente. É de doer ver os nossos exploradores entregarem uma garrafa de cachaça para os índios.  Os amigos de Eugênio Hauer Kwasinski  são Pedro Prosdócimo , Andreas Mayer, do Museu Paranaense e  Nicolau Kluppel Neto, pontagrossense, também fotógrafo (dos quais tenho imagens fantásticas que merecerão uma postagem futura).

                          Conforme nos informou o amigo Josué Correia Fernandes, de Ponta Grossa, ,"Fizeram o mesmo caminho que os desbravadores do século XIX (os Keller, o jovem inglês Thomas Plantagenet Bigg-Wither: foram até a denominada Therèseville (fundada pelo Dr.Faivre) - Tereza Cristina - e dali desceram o Ivaizão até entrar no Rio Paraná. Do marco zero do rio Ivaí (que fica no município de Prudentópolis, através da junção dos rios São João e dos Patos) até a Colônia Tereza deve dar uns 50 km, e dali até o Paraná mais uns 500 ou 600 (quem marcou bem essas distâncias foram os engenheiros Keller).
                                                                   
                     No pé desta publicação vocês irão encontrar um trecho do trabalho de Fernando Costa Straube e Pedro Scherer Neto sobre as expedições científicas no Paraná, capítulo atinente ao Andreas Mayer, do Museu Paranaense.  Agradeço muito ao Straube pelo contato precioso e subsídios inestimáveis.
                     Espero que apreciem a música dramática que coloquei no filme, "Abandoned" de Andrew Scott Foust.  E agora, peguem as pipocas e boa viagem !




AS FOTOS DA VIAGEM

Eugênio Hauer Kwasinski, o nosso explorador, com um dos carros, possivelmente de sua loja de veículos em Curitiba

o segundo carro e os botes




Eugênio Hauer Kwasinski em pose cinematográfica

o acampamento



a partida






os cachorros, imprescindíveis para as caçadas e proteção






Eugênio em pose de caçador






o rio Ivaí



uma capivara e um porco do mato



corredeiras do rio Ivaí - isto está assim ainda, alguém me dirá ?



hora do rango



a caminho - subindo o rio



o nosso herói à la Errol Flynn


a ariranha do Ivaí, tem um município com esse nome à beira do rio.



uma ariranha 



Um veado prestes a ser capturado  






a captura de um animal para o acervo do Museu Paranaense



O Eugênio aqui exibe seu troféu. Mas na verdade esses animais seriam tratados pelo taxidermista da expedição, o Andreas Mayer, funcionário do Museu Paranaense e que viajou exclusivamente para isso.



um pintado



em Mato Grosso, os índios Caiuá



rio Paraná, lado matogrossense, hoje sul-matogrossense



indio caiuá em Mato Grosso













seguindo viagem



3 dos 4 companheiros com aves apanhadas e que iriam ser tratadas pelo taxidermista da expedição, Andreas Mayer, do Museu Paranaense. (veja trecho do livro de Fernando Straube e Pedro Scherer-Neto a respeito de Andreas no pé desta publicação)



Andreas Mayer, do Museu Paranaense, trabalhando  









olha só o tamanho do bichinho



cobra gigantesca no rio Paraná



Pedro Prosdócimo, Andreas Mayer, Nicolau Kluppel Neto, Eugênio Hauer Kwasinski



aqui os 4 aventureiros e um trabalhador, com aves capturadas para o Museu Paranaense



potes de barro dos jusuítas do Guaírá



estará lá ainda essa figueira magnífica ? 



Esta igrejinha fica em Guaíra e está lá bem firme



Guaíra



Guaíra



Guaíra



locomotiva da estrada de ferro Matte Laranjeira
Conforme nos informou o Luciano Pavloski, essa estrada é a antiga Estrada de Ferro Mate Laranjeira. Diz mais:   "Veja que teve outras denominações, como "Estrada de Ferro Guaíra a Porto Mendes", mas na época das fotos do Kwasinski devia ser ainda E. F. Mate Laranjeira (ou pelo menos é a forma mais "genérica" de identificá-la)... Essa parte do texto da wikipedia resume o principal: "Encampação: em 17 de Abril de 1944 é assinado o Decreto n.º 6.428,1 por Getúlio Vargas, incorporando a Estrada de Ferro Guaíra a Porto Mendes, assim como as material e instalações fixas, instalações portuárias e todas as instalações e material flutuantes, ao Serviço de Navegação da Bacia do Prata (SNBP). Pelo mesmo decreto é encampado o Distrito de Guaíra.
Quando da incorporação pela SNBP, existiam três locomotivas muito antigas e desiguais e a via apresenta-se muito deteriorada. Em 1945 foram realizados os estudos necessário para a remodelação da ferrovia, sem a interrupção do tráfego.7 As obras proposta nunca foram executadas e as condições de operação pioram muito com o passar dos anos.  Fim: A ferrovia estava praticamente extinta em 1955 e foi erradicada em 1959 pelo Serviço de Navegação da Bacia do Prata (SNBP).Em 1963 a Cia Siderúrgica Guairá (hoje Gerdau), adquire via leilão, maquinaria, locomotivas e trilhos.  Foi preservada estática a locomotiva nº 4, fabricada em 1910, pertencente originalmente a ferrovia, a mesma encontra-se exposta na praça Eurico Gaspar Dutrade Guaíra.




Guaíra (Brasil) - militares (Paraguay)



Guaíra






início dos santos das sete quedas, de triste memória. Isso posso dizer que não está mais lá....



Sete Quedas



Sete Quedas






Sete Quedas






Sete Quedas



Sete quedas



Sete Quedas









Sete Quedas



Eugênio e um "piloto" paraguaio.



Eugênio e um "piloto" brasileiro



a bordo de uma embarcação que fazia o trajeto Guaíra - rio Paranapanema



a bordo de uma embarcação que fazia o trajeto Guaíra - rio Paranapanema



a bordo de uma embarcação que fazia o trajeto Guaíra - rio Paranapanema



a bordo de uma embarcação que fazia o trajeto Guaíra - rio Paranapanema



nosso aventureiro em pose holliwoodiana, com a câmera com a qual filmou as imagens constantes desta postagem 






Rio Paraná






de volta aos automóveis

               Esta postagem recebeu uma colaboração formidável de Eugênio Costa Straube, que nos deu diversas informações sobre o motivo desta aventura. Um dos membros da expedição, o alemão Andreas Meyer, era funcionário do Museu Paranaense, naturalista viajante, ornitólogo e taxidermista. Eugênio vem se dedicando há décadas ao estudo das viagens dos naturalistas no Paraná e, com Pedro Scherer-Neto publicou uma "História da Ornitologia no Paraná", da qual, pedindo vênia, transcrevemos as notas sobre Andreas Meyer:     
                   "Um dos marcos da Ornitologia no Paraná ocorreu oficialmente em maio de 1947: a contratação, pelo Museu Paranaense, do alemão ANDREAS MAYER, naturalista viajante e preparador, depois chefe da Seção de Taxidermia da instituição (Cordeiro e Corrêa, 1985).
                    A contribuição de ANDREAS MAYER à História Natural no Paraná é incalculável,
pois coletou não só material ornitológico (Straube e Bornschein, 1989a), mas também mastozoológico (Lorini e Persson, 1990), herpetológico (Bérnils e Moura-Leite, 1990), ictiológico (Wosiacki, 1990) e aracnológico (Pinto-da-Rocha e Caron, 1989). Em seus mais de 20 anos de trabalho, obtendo espécimens em sua maioria oriundos do Paraná, obteve quase 3000 exemplares de aves, cifra considerável se considerarmos as condições reinantes na época e o caráter sumamente regional de suas atividades.
Muitas das espécies obtidas, algumas delas compondo séries significativas, tornaram-se muito raras (e.g. Pipile jacutinga, Ara maracana) ou simplesmente não mais foram localizadas no Estado em nossas pesquisas recentes (e.g. Crax fasciolata), tratando-se provavelmente de extinções locais (Bornschein e Straube, 1991c).     MAYER, antes de estar oficialmente ligado ao Museu Paranaense, residia na colônia alemã de Terra Nova em Castro e, no tempo em que ali vivia, junto à sua esposa Emma Mayer, costumava vender espécimes de aves e mamíferos para o Museu Paranaense, conforme atestam várias de suas correspondências, sempre redigidas em alemão.
                    Diversos contactos postais com o então diretor do Museu, o antropólogo José Loureiro Fernandes, tornaram viável, então, a sua vinda para Curitiba, onde se estabeleceu definitivamente, passando a morar um uma casa no bairro Cabral até seu falecimento, na década de 80.
                     Na colônia de Terra Nova, o naturalista concentrou maior parte de seu trabalho.Para lá, mesmo depois de radicado na capital, viajava seguidamente, hospedando-se em sua casa, de estilo típico alemão, em um campo cercado por mata de araucária. Em seu laboratório improvisado, gastava horas a fio na preparação dos espécimes, tempo esse dividido com as incursões para as coletas. Nesse trabalho, colaborava seu grande amigo e companheiro de viagens, WILHELM SCHÜLLER e, às vezes, os filhos ainda meninos desse senhor, Wilhelm e Werner (com.pess.de ambos, em abril de 2001). Na colônia,
MAYER era tratado com reservas, em virtude de seus "estranhos" hábitos de naturalista, considerados excêntricos pelos colonos. Por esse motivo, e também em alusão ao seu trabalho, era conhecido pelo apelido de Vogel Mayer. Outro detalhe valioso para um traçado de seu perfil é que seu legado não
restringiu-se a espécies de um determinado tamanho ou outro, de um ambiente ou  outro... MAYER colecionava com o mesmo interesse e dedicação, as aves grandes e pequenas, fossem elas habitantes das matas, dos campos ou mesmo dos brejos e banhados. Para isso usava uma espingarda de caça de três canos, sendo dois do tipo "espalha-chumbo" e o outro, de projétil único, calibre 45; tratava-se da popular drilling, restrita aos caçadores europeus, principalmente da Alemanha. Os dois primeiros canos, um deles tipo cylinder (com diâmetro anterior e posterior iguais), outro choke (com diâmetro posterior menor, favorecendo a concentração do chumbo), eram usados para animais de menor porte, para os quais dosava cuidadosamente a quantidade de pólvora e o tamanho das esferas de chumbo. Tal procedimento facilitava seu deslocamento por entre as ramagens, tendo um único objeto nas mãos, com um máximo de chance de
flagrar os mais variados tipos de organismos. Com alguma frequência, ainda, solicitava aos meninos, filhos de imigrantes alemães moradores de Terra Nova, para, munidos de estilingue, caçar passarinhos nos
arredores da vila, sendo que os resultados do mutirão serviam-lhe para aumentar a representatividade das amostras (Wilhelm Schüller, com.pess. abril, 2001). Não bastasse a importante contribuição ao conhecimento ornitológico no Paraná, suas peças, tanto didáticas como para estudos, são de uma perfeição pouco comum. Partidário de uma rígida escola germânica de taxidermia na qual teria se formado,
MAYER era detentor de técnica única, ilustrada pela completa ausência de detritos que maculassem os espécimes e pelo absoluto primor com que ajeitava a plumagem. Raros, ainda, são os exemplares que apresentam couro exposto pela queda das penas, indicando não apenas um capricho indiscutível mas, principalmente, o uso de conservantes poderosíssimos. Sobre isso, uma antiga auxiliar (N.G.Correia, 1983, com.pess.) confidenciou-nos, resumidamente, os procedimentos para conservação das peles: o epitélio era
cuidadosamente envenenado com pasta arseniacal líquida e, anualmente, o couro submetido a pinceladas generosas de um conservante à base de para-dicloro benzeno.  Essa técnica, tradicionalmente realizada até os dias de hoje no Museu de História Natural Capão da Imbuia, permitiu que quase a totalidade de seus espécimes fossem mantidos íntegros, sem sinais de infestação por insetos ou fungos. Estilo de preparação parecido ao de MAYER, não encontramos em nenhum outro museu brasileiro. O molde interno do corpo, firmemente tecido com palha e arame ou cordão, tinha um eixo de arame grosso que lhe atravessava o crânio e sua ponta era dobrada à guisa de gancho, para secagem. Depois de pronta, a pele parece cilíndrica,
sem o achatamento dorsal característico e respeitando as proporções do animal quando vivo. É de se mencionar que, para o enchimento de alguns exemplares mais frágeis, utilizava musgo, enrolado por um cordão e obedecendo a forma original do animal. Adicionalmente, é impossível deixar de mencionar o material expositivo, também artisticamente trabalhado, cuja perfeição na montagem deveu-se especialmente
às suas rigorosas e demoradas observações de animais vivos, na natureza ou em cativeiro. Das peças, compunha ele próprio os pedestais, moldando-os em gesso envenenado, suportado por palha enrolada por arame ou cordão de algodão, algumas vezes anotando à lápis na face inferior: “AM”. Informação como essa, permitiu-nos resgatar a data de coleta do raro Eleothreptus anomalus (Straube, 1990), antes exposto
na coleção didática e, por nossa iniciativa, desmontado e transferido para o acervo científico.
MAYER gastava seu tempo como funcionário do Museu preparando peles, moldando pedestais, misturando conservantes e realizando outras tarefas próprias de um preparador caprichoso. Costumava, segundo contam ex- funcionários da instituição, permanecer trancado em seu laboratório, cuja porta era raramente aberta, exceto para apanhar o cafezinho servido pelas serventes que sempre dirigiam um olhar esquivo de curiosidade, antes de receber um "obrigado" com um sotaque alemão carregado.
Sua brilhante e produtiva participação em excursões científicas do Museu Paranaense foram amplamente reconhecidas em todo o Brasil. Olivério Pinto, Eurico Camargo (ambos do antigo Museu Paulista), Helmut Sick (na época funcionário da Fundação Brasil Central) e Fernando Novaes (Museu Paraense Emílio Goeldi), foram alguns dos que analisaram ou simplesmente identificaram seus espécimes. Um pequeno
acervo de ectoparasitos obtidos na região de Guaraqueçaba em 1944, colhidos dos exemplares e conservados em álcool, foi aproveitado por Lindolpho Guimarães (Guimarães, 1945). Não há como deixar de mencionar a sua participação na coleta de espécimes de aves nos arredores da Serra dos Dourados, associado à expedição liderada por José Loureiro Fernandes e Wladimir Kozák e que foi a responsável pela descoberta dos índios Xetá, na década de 50 (Kozák, 1981). Também participou de expedições pela
Seção de Antropologia da Universidade Federal do Paraná nas quais, surpreendentemente, não coletou nenhum material ornitológico (e.g. Estirão Comprido, nas nascentes do Rio Ivaí em dezembro de 1951, apud. Fernandes e Blasi, 1956). MAYER, deslocou-se por quase todas as paisagens naturais do Paraná, em suas expedições levadas quase sempre na mais completa solidão. Algumas vezes acompanhava-o seu filho Edmundo Mayer, cujas pretensões pela Ornitologia foram abortadas por ser daltônico. Diz-se, ainda, o que foi confirmado por amigos pessoais de MAYER, que o falecimento prematuro deste filho seria um dos motivos para uma depressão profunda pela qual passou, que o fez abandonar de vez a prática da
taxidermia e o gosto pela natureza. Em uma de suas expedições para o vale do Rio Ivaí (1945), desta vez
acompanhado do amigo Schüller, demorou-se vários meses, em busca de aves e mamíferos daquelas que eram regiões absolutamente inóspitas. Conta-se que, certa vez ao retornar a Terra Nova, os dois expedicionários quase que não foram reconhecidos pelos familiares e amigos, pelo avançado comprimento de suas barbas... (Wilhelm Schüller, com.pess., abril, 2001).
De fato, dentre as regiões visitadas pelo biografado, destacam-se algumas extremamente importantes para o conhecimento da distribuição geográfica da avifauna local, por encontrarem-se atualmente quase que completamente descaracterizadas de sua fisionomia original. Áreas geográficas especialmente amostradas foram o noroeste (vale dos rios Paraná e Ivaí), as terras baixas do litoral-sul (vale do Rio Cubatão) e norte
(região de Guaraqueçaba e estuários da Baía de Paranaguá), e vários pontos planálticos como os arredores das cidades de Castro, Palmas e Ponta Grossa. Um dicionário geográfico e revisão de itinerários mais detalhada encontra-se em preparação."
in Straube, F.C. & Scherer-Neto, P. 2001. História da Ornitologia no Paraná. In:
F.C.Straube ed. Ornitologia sem fronteiras, incluindo os Resumos do IX
Congresso Brasileiro de Ornitologia (Curitiba, 22 a 27 de julho de 2001).
Curitiba, Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. p. 43-116



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